Enquanto preparava esse post, eu fiz uma espécie de viagem no tempo, revisitando a minha própria história recente. Eu voltei a uma fase da minha vida num momento bem específico, que foi quando defini que iria sair do Brasil. Foram momentos de bastante análise a respeito dos motivos que estavam me levando a fazer isso.
Esses momentos, se não são bem digeridos, podem ocasionar um turbilhão de emoções. É comum que algumas pessoas, mesmo com uma grande vontade no coração de fazer algo considerado arriscado, acabem por sucumbir a pressões sociais.
Entenda uma coisa: eu tinha de fato conquistado algo que muitos almejam no Brasil. Eu tinha me formado e me tornado especialista em uma das universidades mais importantes do país, estava casado, trabalhando e, acima de tudo, já tinha sido aprovado em um concurso público, para atuar como médico especialista em um hospital-escola, localizado a 15 minutos da minha casa. Eu já tinha inclusive juntado algum dinheiro e, junto com minha esposa, estava procurando por uma casa. Era de fato um caminho que levava a estabilidade.
Mas será mesmo que essa estabilidade de fato existe?
Imagine-se na mesma situação que eu me encontrava. O que você faria?
Muitos colegas meus que buscavam estabilidade (que, de fato, não existe!) na vida não entenderam os motivos que me levaram a, mesmo tendo tudo isso na mão, jogar tudo para o alto a fim de perseguir um sonho e concretizar um objetivo pessoal.
Ou seja, para você que está lendo isso, a principal pergunta que faço é: o que realmente te motiva?
As motivações para imigrar podem ser: trabalho, melhor formação profissional, continuação dos estudos, motivos afetivos, relacionamentos, vontade de conhecer outros países e culturas, colecionar experiências inesquecíveis, entre outros!
Todo e qualquer tipo de processo de imigração acarreta questões psicológicas que, se não encaradas da forma correta, podem levar a traumas e decepções em nossas vidas. Ao mudarmos de país, é inevitável que tenhamos um choque cultural, gerando vulnerabilidade psicológica decorrente dessa transição.
Esse post foi escrito para te ajudar nesse momento único, com o objetivo de minimizar eventuais sofrimentos que você possa ter. Não devemos nos enganar, imaginando que tal mudança vem sem sofrimento algum, mesmo que o processo tenha sido pensado e planejado com bastante antecedência. Vamos juntos pensar a respeito dessas questões e prepararmos nossos corações para o que está por vir.
Você se considera alguém que é aberto para o novo? Como você encara novidades? Quando vai a um restaurante, por exemplo, sempre pede o mesmo prato? Você usa as mesmas roupas sempre? Caso eu te pedisse para escolher um lugar para viajarmos, você pensaria em algum lugar que já tenha visitado, ou seu primeiro impulso seria o de pensar em um lugar completamente novo?
Quando imigramos, mergulhamos numa atmosfera completamente nova. Essa experiência traz um complexo conjunto de fatores psicossociais e socioeconômicos. Toda nossa expertise e bagagem cultural são colocadas à prova. E isso, naturalmente, questiona suas referências, seus credos e, finalmente, sua própria identidade. O modo como você entende o mundo passa por uma prova intensa, já que, do dia para a noite, você passará a conviver com pessoas com visões de mundo completamente diferentes da sua! E é isso que explica algumas dificuldades com o idioma, por exemplo. Já reparou que muitas pessoas consideradas “fluentes” numa língua, não conseguem estabelecer uma conversa mais longa, logo após chegar no exterior? Há também as dificuldades em se relacionar com nativos, em se adaptar aos hábitos alimentares e finanças. Isso tudo pode modificar até mesmo como a pessoa enxerga sua própria essência. Suas referências e preconceitos são colocados à prova.
Discriminações? Exatamente. Todos nós as sofremos, em maior ou menor grau. Quando imigramos, passamos a ser o diferente. Mesmo que estejamos em uma cidade super friendly, é inevitável: as pessoas precisarão de um tempo até se acostumarem com seu jeito, seu sotaque, seu modo de enxergar as coisas e resolver problemas.
Sua vida irá como que recomeçar, já que imigrar é como um grande restart em nossa história. Portanto, criar boas estratégias para manejar bem nossas emoções é algo muito importante.
Como médicos, sabemos que a prevenção é superior a medicina curativa, já que a chance de cura é muito maior caso uma doença seja detectada nos estágios iniciais. Na nossa mente a mesma coisa acontece. Nossas emoções e conflitos podem ser abordados numa perspectiva preventiva, que começa com a consciência, passando pela tomada de decisão até o ato em si. Esse é meu objetivo aqui, prevenir.
Imigrar é transicionar. Novos laços sociais são criados, você passa de um status de cidadão de seu próprio país para alguém que vive, muitas vezes, sob um visto (trabalho ou estudo) temporário. É também muito frequente que, ao imigrar, precisemos dar alguns passos para trás, a fim de dar muitos para frente no futuro. Ou seja, imigrar é deixar de ter gratificações instantâneas, a fim de conquistar algo muito maior e melhor, tanto para você quanto para sua família.
Todas essas mudanças, se não forem bem trabalhadas, geram vulnerabilidade, tristeza, apatia, ansiedade, conflitos, sintomas de alienação e, em alguns casos, podem gerar sintomas psicossomáticos, como insônia, fadiga, irritabilidade e dificuldade de concentração. Reconhecer esse potencial estado de vulnerabilidade é essencial para que você blinde sua mente preventivamente.
Uma das formas de facilitarmos tal processo é levar familiares consigo. A família é um fortíssimo elemento de apoio, além de ser um elo cultural, étnico e afetivo importante. A família, caso ausente, pode ser substituída por laços de amizade ou religiosos, gerando bem-estar e segurança, facilitando a inserção cultural.
É importante entender que, ao imigrarmos, buscamos algo que não teríamos em nosso país de origem, porém essas conquistas não vêm de graça. Perdas e separações são inevitáveis. Durante toda nossa vida, em cada fase que passamos, precisamos aprender a lidar com aspectos negativos ou menos atraentes. Vou citar como exemplo a própria faculdade. Não gostamos de 100% daquilo que estudamos e aprendemos. Sempre existem aquelas matérias que temos menos desenvoltura, e isso é realmente algo desconfortável. Porém, o que temos em mente, que nos motiva a ir em frente, achar forças vindas de lugares que nem sequer sabemos onde são? Vem da motivação do objetivo maior, que é, nesse caso, a graduação, o diploma, e as perspectiva de uma carreira de sucesso após a fase de treinamento. Com a imigração acontece a mesma coisa: traçamos um objetivo definido, fazemos nossas escolhas e isso funciona como um combustível, que alimenta nosso corpo e nossa mente, nos impulsionando para concretizar esse sonho.
Em um começo de emprego, de casamento, ou de uma nova vida, a empolgação inicial e o comprometimento para dar certo estão diretamente ligados ao sucesso daquela empreitada. Essa é uma regra da vida. Todas as vezes que nos inserimos num ambiente novo, certas partes de nossa vida passam por um processo de ressignificação.
Embora vivamos em uma sociedade globalizada e na era da informação, é inevitável que soframos um choque cultural todas as vezes que imigramos. Há um claro conflito de valores culturais, que pode levar a um sentimento de inferioridade, solidão e baixa autoestima (especialmente se somos expostos a situações de xenofobia). Tudo isso pode levar a um sentimento de confusão daquilo que pensamos como nossa identidade.
Nesse momento eu fico imaginando meus antepassados, que imigraram da Itália para o Brasil no século passado, viajando de navio, com pouquíssima informação sobre o Brasil, cheios de esperança, alimentados pela promessa de uma vida melhor. O choque que esses imigrantes tiveram provavelmente foi bem mais profundo que o sofrido pelos imigrantes atuais. Eu imagino que seja por isso que eles tenham mantido tão fortemente e por tanto tempo os vínculos com o país de origem, como o uso da língua materna, as práticas religiosas, as relações com compatriotas, a manutenção do contato com pessoas que permaneceram no país de origem (amigos, familiares) e de aspectos mais amplos dessa cultura como comida, roupas, costumes, músicas, filmes, programação de TV.
Além disso, fatores psicológicos intrínsecos, como a maneira como cada um enfrenta situações diferentes/novas, têm papel importante no processo de adaptação. Pessoas que tem maior tendência a isolamento, negação, depressão e abuso de psicoativos podem gerar ou agravar problemas de saúde mental. Por outro lado, pessoas com características como determinação, capacidade de superação e abertura intercultural atuam de forma proativa e positiva, quando colocadas em ambientes desafiadores. A forma que lidamos com o luto é algo que tem um papel importantíssimo durante o processo de imigração visto que, em tese, a convivência diária com a família, relações sociais e profissionais deixam de estar presentes de uma hora para outra ou, melhor dizendo, morrem de certa forma. Há uma sensação de que parte daquilo que você é foi abandonada. Com o passar do tempo, o luto pode dar lugar à nostalgia, em que uma versão idealizada do país de origem começa a surgir em sua mente de tempos em tempos, e os questionamentos começam a aparecer. É de fato uma luta interna, que se resolve com o individuo projetando a si mesmo nessa nova realidade, porém em alguns casos nunca se resolve plenamente. Tais conflitos ocorrem mesmo em imigrantes que mudaram de país de forma voluntária.
Como imigrante, você será colocado à prova. Mas se você está aqui, lendo esse post, eu acredito que você consegue. Caso não sinta que tem estrutura psicológica suficiente para isso, procure ajuda profissional. Quebre todos os seus tabus e converse com um profissional da saúde mental porque, repetindo, prevenir é sempre melhor que remediar.
“O teu deus é judeu, a tua música é negra, o teu carro é japonês, a tua pizza é italiana, o teu gás é argelino, a tua democracia é grega, os teus números são árabes, as tuas letras são latinas.
Eu sou teu vizinho. E ainda me chamas estrangeiro?”