Meu nome é Marcos Galasso, e sou um cirurgião brasileiro radicado há mais de seis anos em Toronto, no Canadá. Vivo aqui com minha esposa e minha filha.
Entretanto minha história como médico internacional começa bem antes.
Fui um típico garoto da classe média de São Paulo. Meus pais nunca foram ricos, mas nunca faltou amor e suporte em casa. A vida não foi fácil para meus pais. A missão de suas vidas foi investir o que fosse preciso (dinheiro, tempo e energia) para que eu e meus dois irmãos tivéssemos a melhor educação e o melhor emprego possíveis, além de um futuro estável, sem ter que passar pelas mesmas dificuldades que eles passaram.
Felizmente, eu consegui honrar todo esse esforço. Estimulado pelo exemplo de meu pai, estudei o máximo que pude e, depois de muita luta (3 anos de curso pré-vestibular), fui aprovado no curso de Medicina em uma excelente universidade pública do Brasil. Eu ia fazer Medicina na UNICAMP!
Eu nunca fui um aluno top da minha classe, mas me considero uma pessoa inteligente. Durante a faculdade eu sequer pensava em ir para fora, e não ligava muito para pesquisa médica. Meu plano era me formar, fazer uma boa residência e ter uma vida tranquila como médico, possivelmente perto da minha família.
Logo após me formar, eu decidi que iria trabalhar por algum tempo antes de entrar na residência médica. O principal motivo era que eu não tinha certeza a respeito da especialidade que deveria prestar. Eu amava cirurgia, mas também achava interessante como outras especialidades funcionavam, especialmente a radiologia.
Depois de dois anos trabalhando e amadurecendo a ideia de fazer residência médica, comecei a residência de cirurgia geral na UNICAMP, seguida da residência em cirurgia torácica na mesma instituição. Foram anos duros, em que encarei longas jornadas de trabalho, mas estava muito feliz. Aprendi muito e fiz amigos.
Estava indo tudo conforme o planejado: construindo uma vida estável, trabalhando como cirurgião quando podia (em alguns finais de semana em que não estava de plantão na residência)
Só tinha um problema…
Havia algo dentro de mim que me impulsionava a querer mais. Esse gatilho aconteceu quando ainda era residente em cirurgia geral. Eu sentia que minha missão como médico ainda não estava completa. Eu precisava ir além.
No meu programa de residência havia um dos estágios que era chamado de “extramuros”. Isso significava que, por 30 dias, podíamos conhecer outras especialidades ou até mesmo ir para instituições no exterior, para realizar uma espécie de estágio. Conversando com meus professores, descobri que minha universidade tinha algumas parcerias com universidades estrangeiras, e que programas de intercâmbio já tinham sido organizados no passado. Eu achei aquela ideia muito interessante e decidi me informar melhor sobre isso. Um dos chefes do meu hospital tinha algumas conexões com um grupo espanhol, e eu tive a oportunidade de ir a Madri para realizar um estágio observacional (observership) num grande hospital universitário, chamado Puerta de Hierro.
E foi em Madri que comecei a realmente pensar fora da caixa.
O fato de estar vivenciando a medicina praticada em outro país era algo que beirava o surreal para mim. Veja, eu sequer tinha experiência internacional até então e, naquele momento, visto que tinha conquistado a confiança dos colegas espanhóis, eles permitiram que eu me paramentasse e entrasse em uma cirurgia. Lembre-se, eu estava lá apenas para observar o serviço! Que honra poder operar na Espanha!
Foi nessa época, enquanto acompanhava e trabalhava ombro a ombro com os colegas europeus, que decidi que seria um médico global.
O Brasil tinha se tornado simplesmente pequeno demais para mim.
Mas qual seria o meu lugar no mundo? Para onde eu deveria ir?
Essa pergunta foi extremamente importante, pois querer “ir para fora” é uma decisão vaga. E ser preciso nos seus planos se mostrou algo essencial em minha jornada.
Entenda, todos nós almejamos coisas boas. Mas, somente aqueles que têm um objetivo definido obtêm sucesso.
Para mim, tudo começou com algumas perguntas:
Onde se praticava a medicina mais avançada em minha área?
Onde estavam os melhores?
Quando eu poderia viajar?
Qual seria a finalidade prática desse período que queria passar fora do Brasil? O que isso iria acrescentar, em termos práticos, ao meu plano de carreira?
Fiz todas essas perguntas para mim mesmo e, depois de alguma pesquisa, descobri que era em Toronto o maior e melhor centro da minha especialidade (cirurgia torácica) no mundo! Portanto, eu decidi que Toronto seria meu objetivo naquele momento.
Porém, havia uma barreira. Eu não conhecia ninguém em Toronto. Eu simplesmente não tinha referências que me ajudassem a conseguir um estágio por lá. Pare por um momento e responda para você mesmo: o que você faria numa situação dessas? Como acharia uma maneira de ser notado? Como abordaria alguém do staff de uma instituição considerada simplesmente a melhor do mundo?
Meu plano foi o de buscar ajuda com meus professores. Eles me orientaram a preparar um CV, pois me falavam que, caso uma oportunidade surgisse, eu deveria estar preparado.
E foi o que eu fiz. Porém eu não tinha ainda a expertise para preparar um CV adequado (falo mai sobre isso no livro “Global Doctors”).
Agora eu tinha um currículo pronto, mas ainda não sabia como abordar alguém de Toronto.
Depois de alguns dias planejando, resolvi que meu primeiro passo seria fazer uma lista de cirurgiões torácicos que atuavam em Toronto em áreas que me interessavam. Selecionei os que pesquisavam tópicos do meu interesse e fiz uma pesquisa no PubMed para encontrar quais eram os artigos mais recentes que eles haviam publicado, especialmente como primeiro ou último autor.
Vou dar uma pausa na minha história para explicar quais as vantagens de começar a buscar sua vaga pesquisando por papers. Veja alguns hacks abaixo:
- Ao pesquisar nos papers mais recentes, você encontrará o e-mail atualizado da pessoa que você quer abordar;
- Ao ler os papers selecionados, saberá quais são as linhas de pesquisa mais recentes do especialista, quais os seus prováveis direcionamentos futuros, quais as perguntas mais importantes em sua pesquisa que ainda precisam ser respondidas. Ou seja, você irá entrar no mundo desse pesquisador e saberá o que move seu trabalho. Falar sobre as paixões do pesquisador é uma abordagem inicial óbvia. Afinal, quem não gosta de falar sobre o próprio trabalho?
- Vendo a lista de coautores, pode encontrar alguém que seja de uma idade mais próxima à sua (talvez um aluno de mestrado?), e pode começar a abordagem por ele. Alguns médicos mais experientes geralmente acumulam várias funções acadêmicas e administrativas (além, é claro, da assistência médica) e podem ser bastante ocupados, o que pode dificultar o seu contato.
Voltando à história, eu encontrei um cirurgião que atuava no serviço dos meus sonhos, tinha uma produção científica fortíssima e que, além de tudo, era brasileiro!
Ok, agora eu tinha um plano. Eu iria a Toronto, faria um observership lá de 30 dias, e mostraria muitíssimo interesse, boa comunicação e desenvoltura. Isso me daria referências para aplicar para uma vaga de research fellow e, por fim, tentar uma vaga de clinical fellow no melhor hospital do mundo em minha especialidade.
Na hora de começar a escrever os e-mails, eu notei que a qualidade da minha escrita não estava tão boa. Por mais que eu tentasse reescrever o texto, ainda soava estranho, com um inglês básico demais. Meu inglês não era tão bom quanto eu pensava. Eu precisava arrumar isso o mais rápido possível!
Depois de alguma procura, encontrei uma excelente professora particular de inglês, e ela me ajudou a praticar o inglês que provavelmente eu usaria no meu observership. Treinamos o inglês médico por alguns meses, o que me deu muita confiança para me expressar profissionalmente.
Em julho de 2014, eu fui a Toronto para meu observership. Durante esse tempo, eu fiz o meu melhor para me comunicar bem, mostrar interesse, discutir os papers que eu tinha lido (lembra deles?) e, por fim, fui convidado a retornar no ano seguinte para um research fellowship de dois anos. Eu tinha dado meu primeiro passo!
Em um daqueles momentos históricos da nossa vida, no ano seguinte eu pedi demissão (ah sim, eu não tinha mencionado isso, mas ao mesmo tempo eu já fora aprovado em um concurso público para trabalhar como cirurgião torácico em um dos maiores hospitais da região que eu morava!), e me mudei para Toronto com a minha esposa.
Vivo no Canadá há 6 anos. Durante esse tempo, terminei meu research fellowship, publiquei em revistas de altíssimo impacto, me tornei detentor de patentes na América do Norte e Europa, ganhei prêmios científicos e, também, obtive ganhos menos tangíveis, como a fluência no inglês e a cidadania canadense! Também fui aprovado para dois clinical fellowships no Toronto General Hospital! Em Toronto, meu entendimento sobre o mundo se transformou radicalmente e aprendi a ter um olhar além do horizonte. E isso é algo que nunca mais voltará ao que era antes.