Eu acho interessante adicionar um ótimo artigo, que discute erros comuns que brasileiros cometem ao escrever um paper em inglês. Muito do que esse artigo diz pode ser usado como norte, na hora de redigir um CV e uma cover letter. O artigo completo pode ser encontrado nas referências, porém como o autor menciona em seu artigo (texto abaixo), estou autorizado a reproduzi-lo nesse post:
“This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License (http:// creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/) which permits unrestricted non-commercial use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.”
O artigo está em inglês. Eu investi energia para entregar a melhor versão em português para você. Aproveite e melhore sua escrita científica em inglês!
“Redigindo artigos científicos em inglês como um nativo: as dez melhores dicas para quem fala português.”
Você já ouviu falar de um único colega que nunca teve um paper revisado com o comentário ‘‘o inglês precisa ser revisado por um nativo’’? Muitos pesquisadores recebem essa resposta mesmo após a tradução ou revisão do artigo ter sido feita por um tradutor oficial ou um coautor que seja nativo. Nos últimos quatro anos, enquanto realizava meu doutorado, e agora meu pós-doutorado aqui no Brasil, recebi solicitações tanto para traduzir quanto para ajudar na revisão de inúmeros manuscritos para meus colegas que são pesquisadores brasileiros. No entanto, apesar de ser um nativo de inglês e pesquisador, descobri que essas tarefas às vezes são muito estressantes. Na verdade, assim como há uma grande diferença entre escrever em português e escrever num bom português, o mesmo acontece com o inglês. Além disso, nem todo nativo de inglês, que escreve bem em inglês, é capaz de escrever bem para fins científicos. A escrita em inglês científico tem estilo e ritmo próprios, como no uso da voz passiva. A voz passiva é considerada um inglês pobre na maioria das formas de escrita (notícias, romances, blogs etc.) fora do meio científico. A versão mais recente do Microsoft Office Word até mesmo destaca a voz passiva como gramática de baixa qualidade, e ainda pergunta se você deseja reformular a frase. No entanto, o uso da voz passiva é aceitável e até mesmo incentivado em alguns escritos científicos.
Embora seja até esperado que a simples revisão de um artigo, já traduzido, levasse menos tempo do que traduzir um manuscrito inteiro, eu acabo preferindo fazer a tradução do artigo mesmo. As revisões tendem a levar o dobro do tempo. Os tradutores online podem ser parcialmente culpados por esse fenômeno. Eu não apenas passo horas me frustrando por frases confusas, que vêm de erros básicos, como também passo a maior parte do meu tempo corrigindo os mesmos erros de sempre, repetidamente.
Por esse motivo, decidi montar uma compilação dos 10 ‘‘erros’’ mais comuns cometidos por nativos de português ao escrever artigos científicos em inglês. Coloquei a palavra ‘‘erros’’ entre aspas porque muitas das dicas a seguir são apenas isso: dicas. Nem sempre significam que o autor cometeu um erro gramatical, mas sim um inglês pobre, e essas não são necessariamente regras absolutas. A maioria deles são erros comuns ou hábitos de escrita inadequados que afetam até mesmo os nativos de inglês, portanto corrigi-los antes de enviar seu manuscrito pode lhe dar uma boa impressão com os revisores. Pode até evitar o temido feedback “needs to be reviewed by a native English speaker”.
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Evite começar frases com ‘‘É …’’.
Em português, as frases destinadas a dar ênfase geralmente começam como:
‘‘É importante …’’, ‘‘Também é muito comum …’’, ‘‘Há pouca atenção…’’
Muitas pessoas traduzem diretamente essas frases como:
‘‘It is important…’’, ‘‘Also, it is very common…’’, ‘‘There is little attention…’’
Embora essas frases estejam gramaticalmente corretas, elas são fracas e um tanto amadoras em sua estrutura (tipo ‘‘The book is on the table’’). Usá-las uma ou duas vezes por seção pode ser aceitável, mas usar essas estruturas de frase repetidamente vai dar a impressão de que seu trabalho não está bem terminado.
Essas frases quase sempre podem substituídas por:
Português: ‘‘É importante destacar os trabalhos mais recentes que…’’
Inglês fraco: ‘‘It is important to highlight the most recent works that…’’
Inglês forte: ‘‘The most recent works that (…) are important to highlight.’’
Exemplo 2:
Português: ‘‘Há pouca atenção dada ao evento.’’
Inglês fraco: ‘‘There is little attention given to the event.’’
Inglês forte: ‘‘Little attention is given to the event.’’
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Aprenda quando usar o ‘‘the’’; retire-o do início das frases e inclua-o apenas quando se referir a eventos, objetos ou pessoas específicas.
Em português, as frases começam com “O”, “Os”, “A” ou “As”, quando as frases se iniciam com o sujeito”
“As células foram plaqueadas…”
O que significa que a tradução em inglês fica:
“The cells were plated…”
Entretanto, você deve usar o “the” numa frase quando se referir a pessoas, lugares, eventos ou populações. Esse tipo de erro geralmente resulta do uso incorreto de “de”, “da”, ou “do”, em português, portanto o uso do “the” na frase nesse exemplo depende bastante do contexto:
‘‘…que ocasionou grande fluxo de populações humanas para a região.’’ (se referindo a um evento específico).
‘‘…which caused large influx of human populations to the region.’’
‘‘…which caused the large influx of human populations to the region.’’
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Somente use letras maiúsculas se for se referir formalmente a um lugar, departamento ou título.
O erro mais comum é “state”. Essa palavra é escrita com a primeira letra maiúscula apenas quando se refere a estado como parte de um título formal.
‘‘O Departamento de Pediatria da UFF e ́ localizado no Estado do Rio de Janeiro.’’
Devido ao fato dessa frase se referir formalmente ao nome de um departamento de pediatria, e se a palavra “state” vier antes de “Rio de Janeiro”, o uso da letra maiúscula deveria ser:
‘‘The Department of Pediatrics of UFF (FORMAL) is located in the state (INFORMAL) of Rio de Janeiro.’’
Entretanto, por vezes nos referimos ao local, departamento ou clínica onde um estudo foi conduzido, ao invés do nome formal da instituição:
‘‘O estudo foi realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro no Estado do Rio de Janeiro. O Hospital da Universidade atende mais de 100 pacientes por dia.’’
Nesse caso, não é necessário usar maiúsculas para o nome do departamento, universidade na segunda frase, pois estes não são os modos como esses locais formalmente são chamados. Além disso, caso use a palavra “state” após “Rio de Janeiro”, aí sim poderemos usar maiúscula, já que faz parte do nome formal.
‘‘The study was conducted at the University Hospital of the Federal University of Rio de Janeiro (FORMAL) in Rio de Janeiro State. The hospital (INFORMAL) of the university (INFORMAL) attends more than 100 patients per day.’’
Outro erro comum acontece quando usamos direções, como “norte” ou “sul”. Use letra maiúscula nessas palavras quando for se referir a regiões especificas ou a pessoas que vivem nessas regiões. Exemplo:
‘‘A maioria das amostras foram coletadas do Centro- Oeste do Brasil.’’
‘‘Majority of samples were collected from Central West (or Midwest) Brazil.’’
Não use letra maiúscula no caso de estar se referindo a direções genéricas ou localidades:
‘‘Majority of samples were collected from the central-western region of Brazil.’’
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Retire o “that”!
Este é um erro estilístico muito comum, cometido por nativos inclusive. Retirar o “that” é uma maneira rápida não apenas de escrever em inglês, mas também de escrever bem em inglês.
O ‘‘that’’ deve ser usado apenas no início de uma oração dependente ou ao descrever um sujeito ou substantivo:
‘‘Os resultados mostraram que muitas pessoas gostam de frutas.’’
Se traduzido diretamente, quem fala português diariamente tende a deixar o “that” na sentença.
‘‘The results showed that many people like fruits.’’
Ao remover o “that”, o sentido da frase continua o mesmo, e a frase não é quebrada.
‘‘The results showed many people like fruits.’’
Leia as duas traduções em voz alta. Consegue perceber que o “that” causava uma quebra na sentença, e ela não flui livremente?
Entretanto, o “that” é importante em outras situações:
‘‘Os resultados que foram encontrados nesse estudo mostraram que muitas pessoas gostam de frutas.’’
‘‘The results that were found in this study showed many people like fruits.’’
Segue abaixo algumas palavras, comumente usadas na linguagem cientifica, que geralmente não são precedidas por “that”:
Suggest or suggested (sugere que ou sugerido que)
Observed (observamos que ou foi observado que)
Found or was found (encontramos que ou foi encontrado que)
Show or shown (mostramos que ou foi mostrado que)
Is important (é importante que)
Highlight (destacamos que)
- Usar o “of” quando colocar adjetivos na frente do sujeito é um erro. Veja abaixo:
‘‘Caraterísticas do programa’’ / ‘‘Program characteristics’’
‘‘Prontuário do paciente’’/ ‘‘Patient chart’’
‘‘Prontuários dos pacientes’’ / ‘‘Patient charts’’ or ‘‘Patients’ charts’’
Aqui, você tem duas opções. Se você estiver usando ”paciente” para descrever o tipo de prontuário médico (chart), então você não precisa do ”s” para ”patient”. Mesmo que o assunto seja plural, tais adjetivos em inglês, não são plurais. No entanto, se você estiver usando ”pacientes” como um adjetivo possessivo (os prontuários pertenceram aos pacientes), você pode manter o ”s”, mas deve colocar um apóstrofo antes ou depois do ”s”. Se houver um paciente, a frase deve ser ‘‘patient’s charts’’; se houver mais de um paciente, a frase deve ser “patients’ charts”.
Existem algumas frases comuns na literatura científica que são normalmente escritas com o adjetivo “of” (do) sujeito. Exemplo:
‘‘Número de casos’’ deve ser mantido como ‘‘number of cases’’, e não ‘‘case number’’.
‘‘Departamento de Imunologia’’ pode ser mantido como ‘‘Department of Immunology’’.
Outro exemplo de um erro muito comum no uso do “of”:
‘‘Em 2010, houve 8.8 milhões de casos dessa doença no mundo.’’
Incorrect: ‘‘In 2010, there were 8.8 million of new cases of this disease around the world.’’
Correct: ‘‘In 2010, there were 8.8 million new cases of this disease around the world.’’
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Em português, quando um sujeito é mencionado anteriormente, é comum que nas sentenças seguintes o sujeito esteja oculto. Entretanto, em inglês, é necessário que seja explicado a quem estamos nos referindo na frase.
‘‘Neste estudo, 74 pacientes foram incluídos. Destes, 7 (9.5%) foram do sexo masculino.’’
Tradução direta:
‘‘In this study, 74 patients were included. Of these, 7 (9.5%) were male.’’
Entretanto, é importante que o sujeito seja mencionado novamente. Isso fica ainda mais evidente quando estamos escrevendo frases mais longas, já que no inglês fica difícil dizer a qual sujeito a frase subsequente se refere.
‘‘In this study, 74 patients were included. Of these, 7 (9.5%) patients were male.’’
Lembre-se, o paralelismo no inglês é mais importante do que tentar não soar repetitivo.
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Evite ao máximo usar a primeira pessoa “I” e “We”, e substitua pela voz passiva.
O uso da voz ativa e passiva na literatura científica tem sido intensamente debatido ao longo dos anos. Enquanto alguns argumentam que a voz ativa é mais direta, a voz passiva também tem seus usos. A sugestão de usar voz passiva aqui está diretamente relacionada à tradução português-inglês, em que a primeira pessoa do plural costuma ser usada em excesso.
Muitas frases em português começam com o sujeito oculto ‘‘nós’’:
‘‘Encontramos vários tipos de mosquitos.’’
Essa frase poderia ser traduzida por:
‘‘We found various types of mosquitos.’’
Muitos pesquisadores que falam inglês nativo usam o ‘‘we’’ em sua escrita, até com bastante frequência. No entanto, há um motivo pelo qual a voz passiva é usada especificamente na literatura científica (e não em outros tipos de material escrito em inglês na forma culta). Em geral, a voz passiva é usada para dar ênfase a um objeto sobre o qual uma ação está sendo executada. Por exemplo:
Em voz ativa: ‘‘The man ate the apple’’. O ponto principal desta frase é que o homem foi quem comeu a maçã.
Se revertermos para a voz passiva: ‘‘The apple was eaten by the man’’. Agora, o ponto principal da frase é que a maçã foi comida.
Voltando à frase anterior, se você disser ‘‘we found various types of mosquitos’’, você está enfatizando que você encontrou os resultados.
Agora, se você colocar a frase em voz passiva: ‘‘Various types of mosquitos were found’’ Aqui, você está enfatizando que vários tipos foram encontrados, e não é mais tão importante que você os tenha encontrado. Nesse caso, você está enfatizando que em seu estudo bem elaborado, que pode ser repetido por qualquer outro pesquisador, serão encontrados vários tipos de mosquitos. Afinal, os resultados reproduzíveis são o que realmente importam serem enfatizados, quando se publica uma pesquisa, certo?
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Nos seus gráficos, os títulos devem ser no singular, e não use o termo “variáveis” no título:
- Characteristic
- Odds Ratio
- 95% CI
- Sex
- Male
- Female
Não use “Characteristics”, “Males”, “Females” ou “Odds Ratios”
Na seção de métodos, lembre-se que, até que um dado seja analisado, deve ser chamado de “variable”. Após a análise, se torna “characteristic”, “risk fator”, “demographic” ou “parameter”.
Lembre-se também de alterar as notações decimais! Mil unidades, em inglês é denominado “1,000 units”, e não “1.000 units”.
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Advérbios e transições devem ser separados por vírgula, quando usados no início da frase:
‘‘Neste estudo encontramos este resultado.’’ ‘‘In this study, this result was found.’’
Outros exemplos:
In Brazil,
Of these,
However,
Therefore,
Currently,
As previously reported,
Tente ler as frases em voz alta. Se você tiver que respirar ou pausar ao ler a frase, provavelmente precisará de uma vírgula. Se uma frase contém mais de duas vírgulas (sem incluir listas), deve ser dividida em duas frases separadas.
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Se algo estiver escrito em um português superficial, provavelmente será escrito num inglês superficial também.
Os tradutores não fazem milagres. Certifique-se de consultar um profissional que fale português nativo, ou simplesmente peça a um colega, amigo ou outro professor que leia criticamente o seu trabalho, especificamente em relação à linguagem. Frequentemente, quando a ‘‘versão final” do trabalho circula entre os co-autores antes da submissão, detalhes, pensamentos ou referências de última hora são adicionados. Esses parágrafos extras em geral não são bem revisados e são facilmente identificáveis, consequentemente diminuindo a qualidade geral do texto. Assim, certifique-se sempre de enviar a verdadeira versão final para tradução. Lembre-se que apenas um parágrafo mal redigido pode te custar um “review by a native English speaker “, atrasando desnecessariamente a publicação do artigo (por semanas ou até meses!), além de adicionar custos extras para nova revisão. Pior, os revisores podem pensar que você não se preocupou o suficiente em revisar seu artigo cuidadosamente antes de submetê-lo, enviesando como eles avaliam o manuscrito em geral. Um artigo bem escrito elimina a possibilidade rejeição pelos revisores, por não entenderem o ponto principal ou a relevância da pesquisa para a revista. Os revisores não têm tempo para ler repetidamente um artigo, a fim de entender o seu significado. Cabe a você mostrar a eles porque seu trabalho árduo deve ser publicado naquele journal. Não deixe que algo não relacionado a pesquisa em si (como o inglês) leve o artigo a ser rejeitado.
Acima de tudo, lembre-se de que o princípio por trás da escrita cientifica em inglês é “menos é mais”.